Érico Veríssimo, desde o momento em que começou a ganhar notoriedade, viveu entre dois fogos bem distintos, como escritor: o da extrema – direita que enxergava nele um encapuzado, um melífluo agente de "teorias exóticas, estranhas aos sentimentos do povo e da civilização ocidental cristã", e o da extrema - esquerda que não se conformava com a posição do romancista recusando-se sempre a transformar suas obras em contundentes panfletos da doutrinação partidária. O poeta prosseguiu impávido na sua vocação literária, uma das mais fortes e genuínas que o Brasil já conhecera.
Quando sua voz e sua presença como homem extinguiram-se, houve uma busca bem consciente e reparadora por parte daqueles que nunca havia se conformado em ver negado ao escritor aquilo que sempre foi uma marca, ou seja, uma tônica em sua vida; que era a disposição de usar sua poderosa arma na defesa da integridade do homem, da dignidade da pessoa humana, do respeito aos direitos dos cidadãos, atingindo sem desânimos a tirania e os seus déspotas, o poder da força, a opressão, as diferentes formas de ditaduras que neste país existiam e ainda sobreviviam, enfim, tudo aquilo que rebaixava o homem a escravo, a liberdade a simples condicionamentos de sobrevivências, os direitos em deveres, além das contínuas tentativas de se desfazer, desmerecer todo um povo sob uma grande vontade que se arvora em divina e que teria recebido dos céus o mandato interminável de zelar pelo que entendem ser a ordem, a disciplina, a obediência e até mesmo a subserviência.
A grandeza de Érico como escritor chegou a ser, em vários momentos, contestada. E no fundo das campanhas, latentes e visíveis, os condicionamentos não políticos, mas partidários.
"Sou simples contador de histórias" era uma frase ditada pela modéstia do escritor e que foi desde logo agravada com unhas e dentes pela voracidade dos que se empenhavam em destruí-lo. Para esses essa frase passou a ser julgada como algo bem pejorativo, como se fosse a função do escritor, sobretudo a do romancista, não fosse precisamente esta.
A crítica tendenciosa não levou em conta, que embora vivendo em sociedades distintas de um mesmo país, Jorge Amado com Jubiabá, José Lins do Rego com Bangüê e Erico Veríssimo com Música ao longe eram instrumentos e intérpretes da mesma crise social que marcava a transformação de seu próprio meio ambiente.
Flávio Loureiro Chaves, o maior estudioso e conhecedor da obra do escritor, aborda esse ponto com total segurança, pois esse assunto não havia sido abordado com devida atenção, como o estudioso retratou naquele momento.
Com muita autoridade Flávio observa que enquanto Jorge Amado retrata "um mundo secular da propriedade que está se esfacelando", já Graciliano Ramos é mais seco e mais duro, justamente porque vivia então num mundo onde valores seculares não davam nenhuma de se desfazer, daí o engajamento político de quem sentia necessidade de atuar como elemento de mudança e não apenas como fator de denúncia.
Érico Veríssimo conseguiu vencer a tendência generalizada dos intelectuais gaúchos que se agarravam ao regionalismo numa antítese aos primeiros romances de Jorge Amado.
"Em Érico Veríssimo a práxis literária culmina o compromisso com o próprio mundo em crise – o compromisso com Floriano Cambará e da personagem de O Prisioneiro – para renunciar à neutralidade da linguagem, definindo uma expressão que, se não é partidária em nenhum momento, vem a ser histórica e política no cerne de sua motivação. O ato de "contar a história" não nega o mundo: narra-o na existência de criaturas fictícias, procurando divisar a liberdade humana que algum dia existiu".
Josué Guimarães, Porto Alegre, Novembro de 1976.
Fonte:Fresnot, Daniel
O pensamento político de Érico Veríssimo. Rio de Janeiro, Edições do Graal, 1977.XIV ed. Pág. 9-12
segunda-feira, 9 de junho de 2008
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